Adolescente e a clínica

O ADOLESCENTE ESPECIALISTA DE SI MESMO E A CLÍNICA INTER-DISCIPLINAR

Desde sua fundação, em 2005, o Programa de Extensão Janela da Escuta, no Hospital das Clínicas da UFMG, sustenta uma clínica inter-disciplinar com adolescentes de Minas Gerais, como um ponto da rede de saúde do SUS. Sendo assim, o trabalho desse projeto implica uma articulação constante com os demais pontos da rede de saúde, bem como com as outras políticas públicas voltadas para os adolescentes. Mais, ainda, faz-se necessário construir essas redes em torno dos casos que se apresentam à clínica, a partir de uma metodologia específica. Nesse trabalho que visa a singularidade, que se desdobra em uma dimensão política, pensamos que para cada caso uma rede é tecida, sob medida. Cada caso forja sua própria rede.

A partir de Alexandre Stevens (2004), trabalhamos a adolescência como “sintoma da puberdade”, tendo em vista que, no sentido freudiano, um sintoma é uma solução de compromisso, uma resposta a um impasse. Diante do impasse colocado pela puberdade, há várias respostas possíveis, que garantem um arranjo mais ou menos estável para o sujeito. Entretanto, esse arranjo deve ser encontrado e mesmo inventado a cada vez, por cada um, pois o impasse de que se trata é de tal ordem que põe em jogo “a ausência de um saber construído a priori” (STEVENS, 2004, p. 30).

Frente a essa ausência de um saber pronto para recobrir as desordens da puberdade, o adolescente é levado a uma tomada de posição. Ele deverá, como diz Freud (1905/2016, p. 149), desprender-se da autoridade paterna e reinventar sua relação com o próprio corpo, com o desejo, com os ideais e com seus pares. Essa tomada de posição implica uma nova relação com o saber, e nossa metodologia visa que o adolescente se autorize do seu próprio saber-fazer com as desordens da puberdade.

É o que quer dizer a máxima: “o adolescente é especialista de si mesmo”. A partir de uma oferta da palavra, os sujeitos que vêm ao Janela da Escuta são convidados a dizer sobre seus sintomas, suas soluções, suas respostas singulares para esse real que invade o corpo e subverte a sua relação com o desejo e com o gozo. Eles podem dizer como estão se havendo com essas soluções, não sem mal-estar, e assim nos ensinar um pouco sobre a adolescência de cada um.

A equipe inter-disciplinar, com  sua pluralidade de saberes, trabalha então em torno de um ponto cego: uma falta-de-saber sempre preservada, por onde a narrativa singular de cada sujeito pode ser tecida. Verificamos que uma equipe orientada por essa metodologia registra efeitos de surpresa e de invenção, buscando estar à altura do novo na clínica e na política.

FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). In: Obras completas, volume 6. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

STEVENS, A. Adolescência como sintoma da puberdade. Curinga, Belo Horizonte, n.20, p.27-39, 2004.

percurso

A equipe do Janela da Escuta é formada por psicanalistas e profissionais da pediatria, psiquiatria, pedagogia, nutrição, e outras áreas do saber, constituindo uma equipe inter-disciplinar. A arte perpassa e marca todo o trabalho de acolhimento vivo e construção do caso clínico.

Não há hierarquização ou um fluxo rígido de passagem sucessiva pelos “especialistas”. Ao contrário, é o adolescente, como especialista de si, que irá tecer aos poucos seu percurso pelo Janela, a partir do acolhimento vivo e aberto e do encontro com alguns desses lugares de escuta.

Assim, cada percurso terapêutico em nosso ambulatório é singular: tecido sob medida, permeado pela presença da arte que se estende para além do espaço do ateliê, mas que imprime toda uma orientação à nossa clínica. O adolescente é quem poderá forjar seu tratamento: o início, o percurso, e também o final, quando se reitera a abertura sempre pulsante do Janela da Escuta para a cidade, suas instituições e seus dispositivos formais e informais, especialmente aqueles construídos com e pelos próprios adolescentes, imprimindo eles também sua marca na nossa equipe, na rede SUS, e na cidade.

acolhimento

O nome Janela da Escuta vem de uma expressão utilizada pelo Professor Roberto Assis, que sempre aconselhava seus alunos de medicina a “abrir a janela da escuta”, a ser mais aberto ao outro, indo além dos questionários semiológicos. 

O acolhimento tem seu início marcado pela chegada do adolescente no serviço, porém, não se limita ao seu primeiro dia no Janela. Toda a equipe assume o compromisso de investigar com os adolescentes as suas demandas, que dificilmente permanecerão as mesmas durante todo o processo de cuidado. 

O acolhimento tem uma duração variada, de acordo com o ‘caso a caso’, e abrange as entrevistas individuais, as conversações e os ateliês de arte.

O Janela também se propõe a acolher familiares, responsáveis e profissionais que estejam acompanhando adolescentes, abrindo a oportunidade de falar de questões além do adolescente, indo assim, da mãe à mulher, do pai ao homem, do profissional ao sujeito. Para isso, criou-se os subprojetos “Café com os agentes” e o grupo das mães, renomeado por elas de grupo de mulheres.

Trabalho com as mães / mulheres

O acolhimento das mães e outros familiares é uma marca do nosso trabalho, com entrevistas, conversações, ateliês de arte.

Durante a pandemia, um grupo virtual se constituiu como um espaço para que as famílias pudessem dialogar sobre as dificuldades e impasses na relação com seus filhos, acompanhados no Janela da Escuta. Os encontros ocorrem semanalmente por vídeo chamada e troca de mensagens escritas, trazendo o desafio das mães lidarem com a tecnologia. Inicialmente, esta era apontada pelas mesmas como a causa de conflitos, por interferir na produtividade dos filhos com as demandas escolares e nas relações familiares. As conversações possibilitam, através da circulação da palavra, o surgimento de novas demandas, descobertas e construção de saídas. Neste percurso, outras dimensões, além da mãe, encontram espaço: a mulher, a profissional, a amante, a brincante, a cidadã. O grupo pode então se renomear como grupo de mulheres, traduzindo esse processo de subjetivação.

Arte na Espera

O projeto é tecido por uma equipe interdisciplinar formada por artistas, médicas, psicanalistas, etc,  que instigam esses jovens a participar e a se expressarem, de maneira espontânea e criativa, de atividades de arte. O projeto “Arte na Espera” (nome escolhido pelos adolescentes) é fruto de uma parceria realizada entre o  Janela da Escuta da Faculdade de Medicina da UFMG, Centro de Extensão da Escola Guignard – UEMG e o Instituto Undió.

Responsáveis

Thereza Portes
Ártemis Garrido
Catarina Maruaia
Maira Públio

Adolescente e Saber

O Projeto de Extensão Adolescente e Saber em parceria com a Faculdade de Educação da UFMG, realiza atendimentos pedagógicos, orientados pelas contribuições da Psicanálise, a adolescentes que apresentam dificuldades escolares e são atendidos pelo Programa de Extensão Janela da Escuta. Com foco na escuta e identificação dos impasses dos adolescentes e tendo como premissa que este é especialista de si, se estabelece um diálogo entre seus saberes, os pedagógicos e das diversas áreas que circunscrevem o tratamento do Janela da Escuta. Tal diálogo, visa à despatologização das dificuldades escolares e a construção de saídas possíveis para o que impede o aluno de aprender. A equipe do projeto é composta por graduandos de Pedagogia e Licenciaturas da Faculdade de Educação e outras áreas afim.

Responsáveis

Marlene Machado
Libéria Neves

Articulação com o Território

O trabalho desenvolvido pelo Janela da Escuta se volta para a cidade, em busca de uma interlocução com as redes. A articulação com as redes de Educação, Saúde, Assistência Social, Cultura e Socioeducação é tecida a cada novo caso por meio de discussões interdisciplinares em torno dos impasses do trabalho. A metodologia desenvolvida continuamente no Janela da Escuta pode se capilarizar e nos guiar, universidade e políticas públicas, para a elaboração de uma rede voltada para os adolescentes, construída com e por eles. Apostamos no saber do adolescente como um especialista, tecendo a rede e as intervenções em saúde a partir de uma escuta singularizada.